terça-feira, 29 de novembro de 2016

Modernices


Há, actualmente, uma mania enervante e cada vez mais vulgarizada, que consiste em utilizar palavras em inglês em número crescente, como se isso adicionasse modernidade e cosmopolitismo ao discurso, de forma automática.
Refiro-me ao uso exacerbado de "lol(es)" e outras expessões similares e não menos irritantes, como "whatever", ou "wharever", ou na versão pimba "uórevare"; são os "outfit(s)" e os "styling(s)", as "true story" e muitos outros exemplos que se multiplicam até à exaustão e que poderia reproduzir aqui, mas nem vale a pena, tudo muito "fashion", claro está. 
Na verdade, os que as utilizam a torto e a direito e às vezes até de forma extremamente cansativa e com isso se julgam muito moderninhos, ganhariam mais em aprender um pouco melhor o português que, em geral, dominam pouco e mal, em vez de assumir esta atitude acrítica de embasbacamento saloio perante tudo o que vem "de fora" e não é necessariamente melhor.
Admito, no entanto, que há casos pontuais em que uma determinada palavra de outra língua exprime melhor o que queremos dizer. É o que acontece, por exemplo, com a palavra rentrée, porque não há em português nenhuma palavra capaz de transmitir de forma tão forte e abrangente a infinidade de sentidos que ela encerra. Do mesmo modo, tenho tendência para utilizar mais facilmente um te quiero, tão cheio de luz e de vontade(s), tão carregado de desejo, em vez do nosso feíssimo "amo-te", quase desagradavelmente lúgubre do ponto de vista sonoro, cheio de vogais fechadas, como se se virasse para dentro. 
Mas nisto, como noutras coisas, convém não exagerar!... Exprimir-se na sua língua não é sintoma de menoridade alguma. Bem pelo contrário.
E afinal, digam o que disserem, o português é uma língua extremamente rica. Muito mais que o inglês, em todo o caso. E é nossa!

sábado, 3 de setembro de 2016

Erros ortográficos insuportáveis


Tenho profunda aversão por erros ortográficos. Ditos e escritos. Mas embirro particularmente com a utilização do imperfeito do conjuntivo que, frequentemente confundido com o presente do indicativo pronominalizado, aparece escrito assim: "ficas-te triste por me ter ido embora ou  gostas-te de me ver partir?" em vez de "Ficaste"/ "gostaste".
E a conjugação do verbo haver, em afirmações deste tipo: "haverão outras coisas"; "Talvez hajam mais dias como este". Ora, o  verbo haver, quando usado no sentido de existir, conjuga-se só na terceira pessoa do singular,  nos vários tempos e modos (nada de haviam, houveram, haverão, haveriam, houvessem). Apenas como auxiliar, equivalente a ter, se conjuga em todas as pessoas. ("Eles nunca haviam encontrado nada de semelhante", por exemplo).
Diz aqui a senhora professora. E diz, também, qualquer gramática ou prontuário ortográfico, que podem (e devem) ser consultados quando há dúvidas.
Enfim, toda a gente deveria ter aprendido isto. Mas não parece...
Por mim, isto é tão grave que chega a ser motivo para acabar um namoro, por exemplo. Ou quase... É que não gosto mesmo nada de erros ortográficos, tal como não gosto de homens de sandálias, por exemplo. Apenas por uma questão de (bom) gosto...

quarta-feira, 6 de julho de 2016

"Adorar muito" (ou exageros de amor e outras redundâncias...)


Como se já não bastassem todos os "eu antes prefiro", os "encarar de frente", "eu disse-lhe a ele" e "eu pessoalmente", ou os ainda mais óbvios "subir para cima" e "entrar para dentro", há agora a nova moda do "adoro-te muito", que vai ganhando cada vez mais adeptos.
Lembro-me que foi na escola que comecei a ouvir os adolescentes "adorar muito" o que quer que fosse: do(a) namorado(a) à música do momento, passando pelo prato preferido, ou qualquer outra banalidade. Mas era sobretudo para manifestar um afecto excessivo que a expressão mais se aplicava.
Diversas vezes expliquei, com zelo e paciência, que adorar era sinal de um querer extremo, com um elevado grau de significação, não necessitando, por isso mesmo, de ser superlativizado. Porque a palavra em si mesma já indicia muito amor, uma estima desmedida, devotada, aproximando-se, até, da veneração.
Nada a fazer! Hoje, os "adoro-te muito" alastraram como cogumelos e ouvem-se por todo o lado, ditos pelas mais insuspeitas criaturas, convencidas de que manifestam assim de modo mais expressivo e profundo a intensidade dos seus "sentires".
Enfim, amemo-nos muito, pouco, assim-assim ou loucamente, o que quisermos, mas se adoramos, isso já é tanto, que não precisa de ser "muito".
 Há cada mania mais irritante!...

(publicado pela primeira vez aqui)

domingo, 5 de junho de 2016

Utilidades


Num país onde toda a gente tem a mania que fala muito bem línguas estrangeiras - sendo isso verdadeiro ou nem por isso -, e se importa muito pouco com a sua língua materna, aqui ficam dez frases que podem ser úteis, sobretudo  nos próximos dias,  quer para os que partem para "fora de portas", quer para os que ficam para receber quem nos visita, com a nossa tão afamada "hospitalidade", que nos leva a oferecer ajuda constantemente a qualquer estrangeiro, até mesmo aos que não a querem.
E depois, aprender inglês nunca é demais...

1- Put yourself into the eye of the street (Põe-te no olho da rua)
2- Do you want me to make you a drawing? (Queres que te faça um desenho?)
3- Don't strech yourself! (Não te estiques!)
4- You are getting wood to burn yourself (Estás a arranjar lenha para te queimares)
5- Lower the little ball! (Baixa a bolinha)
6- I am in the inks (Estou-me nas tintas)
7- Go comb monkeys! (Vai pentear macacos!)
8-  Now the female pig twists her tail (Agora é que a porca torce o rabo)
9- Are you armed in a racing mackerel? (Estás armado em carapau de corrida?)
10- There is no bread for crazy people over here (Não há cá pão para malucos)

quarta-feira, 27 de abril de 2016

Dois anos sem o Vasco


Há dois anos, este foi um dia triste, porque o "Príncipe das Letras", como tão justamente lhe chamaram, nos deixou cedo demais. É sempre cedo demais para ver partir aqueles de quem gostamos, porque mesmo que nos fiquem as lembranças e as palavras, sobra a saudade e não é nunca a mesma coisa.
Hoje, faz falta à sua família e amigos mais chegados, naturalmente, mas também ao país e ao mundo; e, acima de tudo, faz falta à língua portuguesa que tanto e tão bem defendeu e cuja luta é agora quase só vazio e esquecimento, encolher de ombros, deixar andar. Ah, a falta que o Vasco faz...

O suporte da música pode ser  a relação
entre um homem e uma mulher, a pauta
dos seus gestos tocando-se, ou dos seus
olhares encontrando-se, ou das suas

vogais adivinhando-se abertas e recíprocas,
ou dos seus obscuros sinais de entendimento,
crescendo como trepadeiras entre eles.
O suporte da música pode ser uma apetência

dos seus ouvidos e do olfacto, de tudo o que se
ramifica entre os timbres, os perfumes,
mas é também um ritmo interior, uma parcela
do cosmos, e eles sabem-no, perpassando

por uns frágeis momentos, concentrando
num ponto minúsculo, intensamente luminoso,
que a música, desvendando-se, desdobra,
entre conhecimento e cúmplice harmonia.


 (Vasco Graça Moura)

O Acordo é uma barbaridade, feita inconsiderada e precipitadamente, mantida por obstinação e teimosia, e conducente a um resultado exactamente oposto ao pretendido.

(Entrevista ao Expresso. 26.05.2012)

quinta-feira, 21 de abril de 2016

"As seras humanas" do Bloco


Sobre o assunto que tem estado na ordem do dia mais recentemente e que na comunicação social como nas redes sociais já "fez correr muita tinta", num capítulo do que é ser português que poderia intitular-se "simplesmente ridículo", destaco o artigo de Nuno Melo, hoje, no JN, o qual tem, precisamente, este título.
Vale a pena lê-lo todo, mas deixo aqui apenas alguns excertos:

Catarina Martins não gosta do cartão do cidadão. Acha-o atentatório da igualdade de género, sexista, discriminatório. E por isso o BE - extraordinário que é na definição da escala de prioridades políticas - propõe-se gastar milhões para que se escreva cidadania onde, ao que parece, o masculino oprime.
Alguém diga à coordenadora do BE para meter a mão ao bolso - não para relevo da despesa - mas simplesmente para agarrar no cartão que a identifica na função parlamentar. Verá que nele se lê "Cartão do Deputado", na expressão imposta pelo "Estatuto dos Deputados", que o BE aprovou sem rebuço. Em nenhum lado se lê "Cartão do Parlamentarismo" ou "Estatuto do Parlamentarismo"
(...) quando quiser usar da palavra notará que o Regimento da Assembleia da República só utiliza o substantivo masculino, no singular ou no plural, "Deputado" ou "Deputados". E no seu art.º 12º dispõe sobre "o presidente da Assembleia da República", que por acaso teve uma mulher, Assunção Esteves, no cargo, com a incumbência de dirigir os trabalhos e de substituir interinamente "o presidente da República", termo que a Constituição da República, por seu lado, exclusivamente consagra.Consta que o BE candidatou sem drama à função Marisa Matias, outra mulher. (...)
O impulso bloquista ajuda a perceber que o absurdo também tem votos. Mais grave, contudo, é saber-se que a proposta faz igualmente sentido ao PS. Não tanto porque o cartão tenha surgido por decisão do Governo do cidadão José Sócrates, que António Costa quererá ver longe da fotografia. Antes sim, porque um partido que foi fundador da democracia se mostra assim completamente subordinado a uma extrema-esquerda de que depende para sobreviver no poder, transfigurando-se ao ponto de fazer sua uma agenda ridícula, feita de nada. (...)

Ainda a este respeito, poderia, naturalmente,citar outros textos que vale a pena ler. O de Pedro Correia no Delito de Opinião, ou mesmo antes, em Fevereiro, o de Miguel Esteves Cardoso, no Público.
 Mas não é necessário. Enfim, depois do piropo, faltava agora isto. E o que, provavelmente, ainda nos falta ver...

(Entretanto, parece que nesta pretensão bloquista não alinha o PCP. Haja quem tenha bom senso, mesmo do lado da "geringonça". E haja paciência, de todos nós...)

quinta-feira, 14 de abril de 2016

Boas Notícias


Soube hoje que uma nova série do programa "Cuidado com a Língua" está já a ser gravada. É o melhor programa sobre o Português alguma vez feito em televisão no nosso país, muito esclarecedor e educativo, sobretudo nesta fase em que o AO veio piorar ainda mais os maus tratos que lhe são dados todos os dias. E depois, tem Diogo Infante e a voz maravilhosa de Maria Flor Pedroso. Muitas  razões para não o podermos deixar de ver.

segunda-feira, 11 de abril de 2016

Como é que diz que disse?


No DN de hoje, a propósito do novo Ministro da Cultura, pode ler-se a seguinte pérola:
Nasceu em 1950, em Idanha-a-Nova, e licenciou-se em Direito pela Universidade de Lisboa um ano antes. Hã? Um ano antes de quê? De ter nascido?
O artigo é assinado por João Céu e Silva que é, julgava eu, um nome bastante conceituado na sua profissão. Não haverá revisão de textos no DN? Ai, estes jornalistas....

quarta-feira, 16 de março de 2016

Filosofia romântica


Desconhecendo o significado da palavra "filologia", vários alunos meus consideraram recentemente que alguns poetas portugueses do século XX tinham feito estudos de "Filosofia Romântica", que lhes pareceu, pois, muito mais lógico do que "Filologia Românica"...

domingo, 6 de março de 2016

Falsos amigos


Das línguas que conheço, é talvez o espanhol a que tem mais falsos amigos (palavras que se confundem por serem iguais nas duas línguas, mas com significados distintos), o que dá origem  situações verdadeiramente anedóticas.
Os portugueses, que têm a mania que falam muito bem línguas, queixam-se com frequência que os espanhóis não fazem nenhum esforço para os entender. O exemplo típico é o português que diz num café: "puedo llevar esta cadera?" achando que está a falar de uma cadeira, que em espanhol é "silla".
Mas o inverso também se verifica, como se pode ver neste texto:
(...) hay muchísmas similitudes de gramática y de vocabulario, pero hay que estudiarlo, que no se aprende solo con tomar "imperiales" por el Bairro Alto. (...) Porque si el español y el portugués son muy parecidos es muy fácil caer en el "portuñol". (...) Y así se cae en el error de los "falsos amigos". Unos pocos ejemplos: "presunto" en portugués significa "jamón"; "reformado", "jubilado"; "espantoso" en portugués es algo muy bueno, así que puedes decirle a alguién  que su casa es espantosa y quedarte tranquilo.

terça-feira, 1 de março de 2016

Sim, Senhor Ministro...


Este é o país que temos: um ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior que acaba de inventar dois novos verbos: "interver" e "tinher"(?). Mais: que os emprega, repetidamente, na sua intervenção parlamentar. "Tinhemos" a humildade de construir um projecto com todos os que "interviram".Mais ou menos isto.
Seria uma anedota se não fosse trágico, e não desse bem a real dimensão do nível desta gente que nos governa.

segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Aberração


Há no ensino, inexplicavelmente, algumas modas que, por mais absurdas que sejam, parecem ter vindo para ficar. Como compreender, pois, que se ensine o que é um narrador homodiegético e heterodiegético, um acto ilocutório assertivo ou compromissivo, ou que a propósito de um texto se continue a falar de coesão referencial anafórica, ou de polissíndetos e anástrofes, em vez de se insistir na sonoridade e produção de significado, e no efeito que as palavras e os textos têm em nós, ou em como nos fazem ver e pensar de modo diferente, podendo até dar mais sentido à nossa vida.
E o pior é que nem sequer se fala disto...

domingo, 28 de fevereiro de 2016

Quem muito fala...


Há os que "subscrevem por baixo", os que "encaram de frente" e os que gostam de ler "Elsa"de Queiroz. Há as facas de "dois legumes" e os bodes "respiratórios". Estas, e tantas outras enormidades de uma lista interminável, que vamos ouvindo e lendo todos os dias. 
A língua portuguesa, nem sempre muito bem tratada num país que se envergonha de si e tende a valorizar o que vem de fora - línguas incluídas -, assumiu contornos de total despropósito com a chegada do "Novo Acordo Ortográfico", que veio permitir que hoje valha quase tudo. Como se a correcção linguística não fosse muito relevante.
Contrariando a tendência, este é um blogue que se preocupa com a língua portuguesa, com a sua riqueza ímpar e com a sua diversidade. É só o começo...

Gosto de sentir  a minha língua roçar
A língua de Camões
Gosto de ser e de estar
E quero me dedicar
A criar confusões de prosódia
E uma profusão de paródias
Que encurtem dores
E furtem cores como camaleões

                                            (Caetano Veloso)