terça-feira, 8 de setembro de 2020

A cor do horto gráfico


Agora que está mesmo a começar um novo Ano Lectivo (e este promete ser bem sui generis), ainda a propósito da aberração do Acordo Ortográfico e de tudo o que ele implica no sentido do crescente aviltamento da língua, que vai sendo cada vez mais maltratada sem que ninguém pareça importar-se muito com isso, encontrei esta paródia no Facebook  e resolvi transcrevê-la, apesar de desconhecer o seu autor, porque a orthographia também é gente. A palavra é completa vista e ouvida.

Assim, para um maior enriquecimento lexical, aqui ficam algumas das novas definições:
Violentamente: viu muito devagar
Presidiário: ser preso diariamente
Detergente: acto de prender seres humanos
Destilado: do lado contrário a esse
Determine: prender a namorada do Rato Mickey
Testículo: Texto pequeno
Pornográfico: colocar no desenho
Coordenada: que não tem cor
Assaltante: um A que salta
Ministério: aparelho de som de dimensões reduzidas
Piano: Ano da descoberta de PI (3,14)
Halogéneo: Forma de cumprimentar pessoas muito inteligentes
Biscoito: fazer sexo duas vezes
Coitado: Vítima de coito
Aspirado: carta de jogar completamente maluca
Bigode: Duplo Deus britânico
Conversão: Conversa prolongada
Padrão: Padre muito alto
Barracão: Proibida a entrada a cães
Barbicha: bar frequentado por gays
Cleptomaníaco: fan de Eric Clapton
Homossexual: sabão em pó para lavar as partes íntimas

segunda-feira, 13 de julho de 2020

"Chamar de" ou os erros virais



Hoje, é frequente ouvir-se, até entre gente letrada, o verbo chamar seguido da preposição "de", em exemplos como "chamou-me de parvo". Ora, em Português, chamamos alguma coisa a alguém e não chamamos alguém "de" alguma coisa. Não sei se será influência da variante brasileira, mas a verdade é que este uso se generalizou, tornando-se uma verdadeira praga, assim como no caso da expressão "pedir "em" namoro" em vez de "pedir namoro", vá lá saber-se porquê.
E apesar de haver muitos linguistas que consideram que, uma vez tornadas corriqueiras pelo uso frequente todas as possibilidades podem ser consideradas correctas - das quais, admitir que "corrimões", como plural de "corrimão", pode ser uma hipótese válida é apenas um dos mais aberrantes e ridículos casos - eu continuo a arrepiar-me cada vez que ouço alguém chamar outrem "de" o que quer que seja.

domingo, 26 de abril de 2020

Acordaram agora


Há um ano, em Abril de 2019, a Maria João Lopo de Carvalho publicou um texto na Revista "Cais", que dizia o seguinte:
Todos nós, se fizermos algum esforço de memória, nos lembramos de quem foi o professor que mudou a nossa vida, e há sempre um. De igual forma, a  grande motivação para ser professoro século XXI é saber que há-de haver pelo menos um aluno a quem "nós, professores" vamos mudar a vida.
Tenho para mim que os professores são heróis nacionais. E há muitos outros para além dos professores, sim, eu sei. Ando, no entanto, a repetir este justo elogio desde 1990, pois tenho uma profunda admiração por aqueles que conseguem o que eu não fui capaz. Não falo aqui das correntes reivindicações salariais dos 9 anos, 4 meses e 2 dias de que os professores são devedores, isso são contas de outro rosário; falo do dia a dia nas escolas, matéria que conheço bem, não só como professora no ensino público e particular, como mãe, como integrando a equipa de educação da C. M. de Lisboa e, nos últimos quinze anos, como autora de literatura infanto-juvenil, o que me leva a visitar as escolas numa perspectiva diferente e bem mais romântica.
Muito se tem teorizado sobre o assunto, mas só quem "viveu" os corredores de uma escola consegue avaliar a dimensão do desafio. Dar aulas, hoje, é de tal forma complexo que à primeira vista não seduz ninguém. Como em todas as carreiras, há bons e maus profissionais, mas nem todas as outras carreiras exigem vocação e entrega total, resiliência e espírito de sacrifício, para além das necessárias qualidades técnicas, científicas e pedagógicas. Enfrentar, a uma segunda-feira de manhã, uma turma de adolescentes macambúzios do 8º ano, mal-dormidos, pouco atentos, desmotivados, agarrados ao telemóvel (dirão que não são todos assim, está claro!) não é igual a chegar a um escritório onde escudados pelo ecrã de um computador podemos muitas vezes resolver-nos a nós próprios sem que ninguém nos importune. Na escola, todo e qualquer assunto intimamente "nosso" fica naturalmente à porta da sala de aula. Depois do toque, a única matéria que importa são os 30 adolescentes, alguns deles ainda adormecidos, esparralhados nas cadeiras, que o professor tem de acordar, ensinar, motivar, compreender.. É preciso esforço, empenho total e dedicação à causa. O actual estatuto do aluno e  do professor tem pouco de justiça e subtrai ao professor a autoridade necessária para resolver casos difíceis que acontecem diariamente nas escolas: se um aluno insultar um professor, coisa que infelizmente é comum, o professor queixoso terá de enfrentar uma bateria de procedimentos burocráticos de tal forma morosos que o empurram para o caminho mais fácil: ignorar.
Numa sociedade como a nossa, em que tanto se fala de violência, aqueles miúdos vítimas muitas vezes de maus tratos familiares, trazem essa carga pesadíssima para a escola, território de absoluta impunidade, onde o "rei" manda desaprender, descomportar, ameaçar, violentar e pior: fazer com que tudo isso toque na corda mais sensível dos profissionais: a psicológica.
Revi há pouco o filme francês "A Turma" de  Laurent Cantet, galardoado com a Palma de Ouro no festival de Cannes, em que seguimos um ano lectivo de um professor e da sua turma. A acção passa-se numa escola de um bairro problemático de Paris, espelho dos contrastes multiculturais dos grandes centros urbanos e é precisamente este o desafio: acompanhar o quotidiano de uma turma em que o poder do professor vai muito para além de ensinar: o professor tem de salvar ou quem morre é ele próprio.
Nenhum país progride sem educação. Eu dou-me por satisfeita de pagar impostos e que estes impostos sirvam para financiar uma escola pública que eu quero cada vez melhor, mas atenção: a batalha diária desigual, difícil e extenuante dos professores nunca é falada e, se o fosse, era recebida pela maior parte da população com um vago encolher de ombros. Numa sociedade tão competitiva como a dos nossos dias, que precisa de rankings para estimular, elogiar e seleccionar as escolas, muitas vezes comparando realidades que não são comparáveis, os professores tudo fazem, substituindo com frequência os pais e sempre pelas melhores razões: criar o interesse e a curiosidade nos alunos, já que são estes os motores de arranque. As razões de um e outro lado nunca acabam, dariam muitas páginas de texto,; todavia, gosto de sublinhar este facto: aos 23 anos eu ainda tinha esperança na minha vocação, mas ao fim de apenas quatro percebi que perdera a batalha. Enquanto lemos este texto, nas escolas à nossa beira, os professores lá estão, de mangas arregaçadas, nas piores ou nas melhores condições. Julgo que toda a sociedade lhes devia estar grata. Os professores portugueses merecem a minha total admiração e respeito."
Pois, a maior parte das pessoas descobriu agora que os professores têm grande capacidade de adaptação, sentido do dever e que, nesta situação, com todas as suas peculiaridades, têm feito "um grande esforço" para, à distância, continuar a acompanhar e apoiar os alunos, apesar das circunstâncias. Como se não tivesse sido sempre assim...
Ser professor é uma das mais exigentes e sacrificadas profissões do mundo (talvez juntamente com a de médicos e enfermeiros), mesmo se até aqui poucos o reconheciam. Não sou dos que falam em "vocação", como se para ser professor fosse preciso alguma espécie de "chamamento". Prefiro a palavra "dedicação", a qual estou certa que corresponde ao trabalho da maior parte.
Sei-o por mim, que fiz sempre o melhor de que fui capaz em todos os dias e horas em que estive nas salas de aulas, mas também pelo que observei na quase generalidade dos meus pares. Haverá sempre, como em todos os domínios, professores melhores e piores, alguns incompetentes e outros mais "baldas", assim como muitas vezes eles são vítimas de si próprios, inventando-se tarefas desnecessárias que não servem para coisa nenhuma, na ânsia de ser "mais papistas que o papa" e mostrar trabalho muito para lá do que lhes é pedido, ou só porque sim.
Mas poupem-me: aquilo que agora tantos reconhecem e elogiam, não é mais nem menos do que os professores sempre fizeram, malgré tout, mas que ninguém queria ver.

domingo, 5 de abril de 2020

Paulinho Maricas


Quando eu e a minha irmã éramos pequenas, todas as nossas bonecas tinham nomes acabados em -inho, apesar de em nossa casa os diminutivos nem serem, em geral, regra.
E entre todas as Rosarinhos, Teresinhas e Paulinhas, havia um boneco da minha irmã, - de resto muito parecido com o da imagem, - a que decidimos chamar, vá lá saber-se porquê, "Paulinho Maricas".
Não sei que idades teríamos quando decidimos fazer aquele baptizado. Talvez uns quatro e cinco anos, ou até menos. Ainda me lembro do ar chocado de todos os familiares diante do nome ao qual não atribuíamos nenhum significado específico; ainda me lembro de nos dizerem repetidamente, "não digas isso, que não é uma palavra muito bonita". 
E nós, na nossa genuína inocência, desconhecendo todas as conotações depreciativas que lhe estavam associadas, longe de imaginar que aquele nome conferia ao nosso boneco um qualquer carácter efeminado ou, pelo menos, medroso e cobardolas, insistíamos em chamar-lhe, simplesmente, "Paulinho Maricas."
Muito antes dos tempos do politicamente correcto, e agora que o termo quase caiu em desuso e foi substituído por outro(s), imposto(s) pela cultura anglo-americana dominante, ou começado(s ) por -p, o termo "maricas", para mim e para a minha irmã, para lá de todas as conotações que lhe estão associadas, transportar-nos-á sempre, inevitavelmente, para a nossa infância mais remota e para um sem fim de brincadeiras com o nosso "Paulinho". "Maricas", pois claro!

quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

As expressões das tias (I)




Hoje, a palavra "tia"  tem uma conotação negativa, associada a aparência, a presunção e a querer parecer o que não se é. Estupidamente, "ser tia" está agora mal visto e é considerado criticável, por ser esse sentido pejorativo que, de imediato, se nos impõe.
Mas as tias de que falo são tias em sentido literal, isto é, o que elas sempre foram: as irmãs da nossa mãe e do nosso pai. Não são, pois, as que dizem "piqueno", "redículo", ou "olhe, tá a ver?", são antes as que, na nossa infância, ora nos enchiam de doces e beijos repenicados, ora nos ameaçavam com um seco e cortante: "vê lá se queres que eu chame o teu pai"...
Eu e a minha irmã divertimo-nos muito, anos a fio, a dar cabo do juízo das nossas três tias, que com as peculiaridades próprias dos feitios de cada uma, eram os alvos mais apetecidos das nossas travessuras, partidas, e imaginação sem limites.
O que elas tinham em comum, para além da paciência mais ou menos ilimitada para nos aturar e  outras coisas que agora não vêm ao caso, era a utilização de expressões muito engraçadas, daquelas que hoje já quase ninguém usa. 
Diziam, por exemplo, "andar na boa vai ela", o que era um misto de prazer e pecado. Significava divertir-se demasiado e, por isso, não cumprir as suas obrigações. Se as tias nos dissessem "tu gostas é de andar na boa vai ela" era sempre em tom de crítica, para nos fazer pensar "o que é que eu não fiz e deveria ter feito?"...
Mas usavam muitas outras expressões do mesmo género, como "ser levado da breca". "Vocês  parece que estão levadas da breca" queria dizer que já estávamos a ser demasiado insuportáveis, entre irrequietas, brincalhonas e difíceis de manter em silêncio e em sossego.
Quando hoje ouço alguma destas expressões, o que é raro, não posso impedir-me de ser transportada por momentos até esse tempo distante, com todos os seus defeitos e qualidades, amuos e meiguices, raspanetes e máximas solenes, ensinamentos e afectos vários, hoje perdidos no fundo da memória, fora da vida comum e do uso corrente, tal como se foram gastando, com os anos, as expressões das tias.

terça-feira, 17 de dezembro de 2019

A moda do "basicamente"


Característicos do registo coloquial, os bordões linguísticos também vão tendo as suas modas. Ultrapassados o "pronto" e o "ó pá" e com o "tipo" e o "estás a ver" mais que interiorizados, não se restringindo apenas a uma determinada faixa etária ou grupo social, a última moda nesta matéria é agora a do "basicamente", a qual consiste "basicamente" em ir introduzindo esta palavra no meio das frases, esvaziada de sentido e apenas como auxiliar discursivo.
A sua repetição excessiva torna-os, no entanto, uma eventual dificuldade para a percepção da mensagem e, apesar de ninguém estar imune a eles, quando o seu uso é exagerado, a questão pode tornar-se um pouco irritante, isto é, basicamente, "uma seca".

terça-feira, 19 de novembro de 2019

Gato escondido com o rabo de fora


Numa altura em que vários assuntos relacionados com a Educação estão na ordem do dia e em que se fala de indisciplina mais do que nunca, como se toda a gente tivesse "acordado" agora para um problema que tem décadas, continua a fazer-me confusão a grande quantidade de professores que reage sempre como se isso fosse apenas um problema dos outros, recusando-se a admitir ter problemas de indisciplina na sua sala de aula, como se confessá-lo fosse assumir publicamente uma qualquer espécie de fraqueza, uma inferioridade que os debilita como profissionais e como pessoas.
Gabam-se, então, de nunca ter posto alunos na rua, ou nunca ter tido qualquer problema com os alunos, como se isso os engrandecesse face aos seus pares. É este tipo de comportamento, muito comum mesmo nas reuniões de conselhos de turma ou outras, o silenciamento de muitos casos por medo, pudor, encolher de ombros, gabarolice ou seja lá o que for, que leva depois os responsáveis a referir problemas de indisciplina "residuais", quando quem está nas escolas sabe que a realidade não é de todo essa.
É, de certo modo a isto que se refere o testemunho da professora Carmo Machado na "Visão" do dia 11 deste mês, que diz, por exemplo o seguinte:
Também eu já fui injuriada. A minha experiência profissional com três décadas de escola pública mostra que os alunos dos cursos profissionais são, em regra, mais indisciplinados do que os alunos dos cursos do ensino regular e que os do ensino básico provocam mais problemas que os do secundário. Porém, é tudo uma questão de sorte. Já me chamaram "filha da puta". Já entraram e saíram da sala com estrondo, aos pontapés e aos palavrões. Já me ameaçaram. Já amarrotaram e rasgaram testes corrigidos, atirando-os para o caixote do lixo, ali mesmo à minha frente. Todos os dias, dia após dia, há professores a passar por alguma situação de violência. São actos contínuos que vão corroendo a mente e o corpo. Num dia normal de trabalho, um professor lida com cerca de 90 a 120 alunos. Todos diferentes, sim! Mas também todos iguais na sua adolescência, na sua atribulada vida familiar, no seu (des)interesse pela escola, na sua (des)preocupação com as notas, na sua obsessão pelo telemóvel, na sua descoberta da sexualidade, na sua atitude de revolta.
Não adianta fingir. Ninguém está imune. Acontece com todos, mesmo, ou até sobretudo, com os que dizem que não.
E da mesma maneira que não aguento debates sobre Educação, onde os professores fazem sempre tristes figuras, enchendo a boca com os seus "projectos de sucesso", a sua "excelência" e a sua "missão", mascarando a realidade apenas "para ficar bem na fotografia", não tenho qualquer pachorra para este discurso do "comigo não é assim", porque "eu sou excelente".