terça-feira, 17 de dezembro de 2019

A moda do "basicamente"


Característicos do registo coloquial, os bordões linguísticos também vão tendo as suas modas. Ultrapassados o "pronto" e o "ó pá" e com o "tipo" e o "estás a ver" mais que interiorizados, não se restringindo apenas a uma determinada faixa etária ou grupo social, a última moda nesta matéria é agora a do "basicamente", a qual consiste "basicamente" em ir introduzindo esta palavra no meio das frases, esvaziada de sentido e apenas como auxiliar discursivo.
A sua repetição excessiva torna-os, no entanto, uma eventual dificuldade para a percepção da mensagem e, apesar de ninguém estar imune a eles, quando o seu uso é exagerado, a questão pode tornar-se um pouco irritante, isto é, basicamente, "uma seca".

terça-feira, 19 de novembro de 2019

Gato escondido com o rabo de fora


Numa altura em que vários assuntos relacionados com a Educação estão na ordem do dia e em que se fala de indisciplina mais do que nunca, como se toda a gente tivesse "acordado" agora para um problema que tem décadas, continua a fazer-me confusão a grande quantidade de professores que reage sempre como se isso fosse apenas um problema dos outros, recusando-se a admitir ter problemas de indisciplina na sua sala de aula, como se confessá-lo fosse assumir publicamente uma qualquer espécie de fraqueza, uma inferioridade que os debilita como profissionais e como pessoas.
Gabam-se, então, de nunca ter posto alunos na rua, ou nunca ter tido qualquer problema com os alunos, como se isso os engrandecesse face aos seus pares. É este tipo de comportamento, muito comum mesmo nas reuniões de conselhos de turma ou outras, o silenciamento de muitos casos por medo, pudor, encolher de ombros, gabarolice ou seja lá o que for, que leva depois os responsáveis a referir problemas de indisciplina "residuais", quando quem está nas escolas sabe que a realidade não é de todo essa.
É, de certo modo a isto que se refere o testemunho da professora Carmo Machado na "Visão" do dia 11 deste mês, que diz, por exemplo o seguinte:
Também eu já fui injuriada. A minha experiência profissional com três décadas de escola pública mostra que os alunos dos cursos profissionais são, em regra, mais indisciplinados do que os alunos dos cursos do ensino regular e que os do ensino básico provocam mais problemas que os do secundário. Porém, é tudo uma questão de sorte. Já me chamaram "filha da puta". Já entraram e saíram da sala com estrondo, aos pontapés e aos palavrões. Já me ameaçaram. Já amarrotaram e rasgaram testes corrigidos, atirando-os para o caixote do lixo, ali mesmo à minha frente. Todos os dias, dia após dia, há professores a passar por alguma situação de violência. São actos contínuos que vão corroendo a mente e o corpo. Num dia normal de trabalho, um professor lida com cerca de 90 a 120 alunos. Todos diferentes, sim! Mas também todos iguais na sua adolescência, na sua atribulada vida familiar, no seu (des)interesse pela escola, na sua (des)preocupação com as notas, na sua obsessão pelo telemóvel, na sua descoberta da sexualidade, na sua atitude de revolta.
Não adianta fingir. Ninguém está imune. Acontece com todos, mesmo, ou até sobretudo, com os que dizem que não.
E da mesma maneira que não aguento debates sobre Educação, onde os professores fazem sempre tristes figuras, enchendo a boca com os seus "projectos de sucesso", a sua "excelência" e a sua "missão", mascarando a realidade apenas "para ficar bem na fotografia", não tenho qualquer pachorra para este discurso do "comigo não é assim", porque "eu sou excelente".

terça-feira, 17 de setembro de 2019

Levar uma "rebocada"



Há o "bode respiratório" e a "faca de dois legumes", a "casa germinada",  a "ovelha ranhosa" e tantas outras corruptelas de expressões da língua portuguesa, numa extensa lista que adoro coleccionar.
A que tenho ouvido ultimamente com mais frequência, no entanto, é a que consiste em "levar uma rebocada", proferida pelas mais insuspeitas pessoas, licenciadas na sua maior parte, ou até com graus académicos superiores. 
E, quando a ouço, na minha cabeça fica sempre a imagem da pessoa a ser "rebocada", como se de uma parede se tratasse, em vez de ouvir uma simples repreensão ou descompostura  - uma rabecada, pois claro.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

Polémicas parvas



Andam as redes muito indignadas com a "censura" de três versos de Álvaro de Campos num Manual de Português do 12º ano, que está em vigor pelo segundo ano consecutivo. Acho graça ao modo como estas coisas surgem, sem se saber bem de onde vêm, ou por que razão aparecem em determinada altura e não noutra qualquer. Mas, mais engraçado ainda, é apreciar o coro de indignações e opiniões mais ou menos inflamadas que estas polémicas geram, quando se desconfia que a maior parte das pessoas que se pronuncia sobre o assunto nem sabe bem do que está a falar. Se o tema é educação, então, a coisa agrava-se um pouco mais, pois esta é uma matéria sobre a qual toda a gente acha que tem alguma coisa a dizer.
A mim, tudo isto me dá vontade de rir. E calo-me, quase sempre. Esquecem, ou ignoram, os indignados, que a grande maioria dos textos que constam dos manuais de Português não surgem na sua versão integral e que os próprios programas prevêem, de resto, que de determinada obra se considerem apenas alguns excertos. Devemos falar de uma "censura" generalizada? Ou partir do princípio que caberá a cada professor escolher a(s) passagem(ns) a trabalhar com os alunos na impossibilidade de considerar "este mundo e o outro". Acreditando, naturalmente, que qualquer (bom) professor deverá ser capaz de despertar nos seus alunos a curiosidade de ir à procura de uma obra, texto ou autor que apenas referiu, ou analisou de maneira menos aprofundada. Isto digo eu, que até defendo as "Selectas Literárias" de antigamente, em vez dos actuais manuais, demasiado "dirigidos" para uma determinada leitura.
Acho graça, também, que muitos dos que agora se insurgem contra esta "censura" sejam os mesmos que defendem mais cortes nos Programas, sobretudo no que à Literatura diz respeito, por considerarem os textos demasiado "difíceis para os "meninos", defendendo mesmo, em casos extremos, que apenas os alunos de Humanidades deveriam conhecer as obras e autores portugueses, porque os de Ciências "não precisam disso".
Não ia pois falar deste assunto, que vai acabar por desaparecer como aconteceu com a polémica à volta do livro do Valter Hugo Mãe, de há dois anos, ou outras que tais. Mas encontrei por acaso um texto da Elisa Costa Pinto, ainda sobre esta questão, publicado  no Facebook a 14 de Janeiro,  e que me parece que vale a pena ler na íntegra.
Diz isto, por exemplo:
(...) Seleccionar excertos de poemas ou de textos em prosa é um procedimento pedagógico-didáctico habitual e legítimo, desde que as supressões sejam devidamente assinaladas e não comprometam o sentido do texto. São, de resto, vários os textos de que o Programa sugere excertos ("Os Lusíadas", "Sermão de Santo António", "Amor de Perdição" são 3 exemplos).
(...)
Têm sido feitos cortes gravíssimos nos Programas, no que diz respeito à Literatura Portuguesa sem que nenhuma voz se tenha juntado à voz daqueles  que sempre denunciaram esses cortes. O Programa actualmente em vigor repôs algumas das obras retiradas, mas já novas orientações da equipa ministerial actual se prepara para fazer mais cortes.
Pergunto aos agora indignados: fazem mais falta aos alunos as estrofes embaraçosas da "Ode Triunfal" ou os 3 fragmentos do "Livro do Desassossego", uma das obras mais representativas do Modernismo, internacionalmente lido e admirado?
Há disparates, mau gosto, insuficiências e erros pedagógico-didácticos gravíssimos em vários manuais escolares. Um pequeno exemplo disso é o questionário que acompanha precisamente a "Ode Triunfal" no manual em apreço. Alguém reparou nisso? Alguém se indignou? (...)

quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

Histórias que coleccionam os professores (I)



Quem é professor, vai coleccionando ao longo do tempo um número infindável de episódios do quotidiano, que apesar de parecerem anedota, são, na verdade, bem reais. Já não falo dos erros comuns, como dizer que alguém é licenciado em "filosofia romântica" em vez de "filologia românica", muito recorrente nos últimos anos, mas de situações ainda mais caricatas, como a seguinte:


I - Sexo oral?

A história passou-se há cerca de dez anos, numa turma de 7º ano (alunos de 12 ou 13 anos, portanto). Enquanto decorria a aula, ouvi esta conversa entre duas alunas que conversavam baixinho. 
- Ainda não percebi bem o que é sexo oral, - dizia uma delas. A outra, que era melhor aluna e claramente mais despachada, respondeu de imediato: 
- Então, pensa lá bem: se expressão oral é uma pessoa falar, sexo oral, acho que é estar a fazer coisas e ir dizendo o que se está a fazer...

quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

Poeta ou poetisa?


O feminino de "poeta" é "poetisa". Foi o que todos aprendemos e a verdade é que, apesar de tantas mudanças gramaticais, neste caso não houve qualquer alteração.
A questão é que, de há uns anos para cá, se começou a generalizar a designação de "poeta" mesmo no caso de se tratar de uma mulher; e generalizou-se a ideia (incorrecta) de que se trataria de um vocábulo uniforme quanto ao género. Desde então, e atendendo à espécie de "bagunça" que passou a ser o uso da língua, aceitando-se tudo e mais alguma coisa como certo, usam-se as duas opções e "poetisa" talvez esteja já a usar-se cada vez menos.
Responsável por isto é em grande medida a poetisa Sophia de Mello Breyner que, considerando a palavra  depreciativa, vá lá saber-se porquê, se intitulava a si mesmo "poeta", no masculino, contrariando as modas inversas, que defendem termos como "presidenta", ou "pilota".
Por mim, continuo a não conseguir ouvir dizer "a poeta" sem que se me ericem os pêlos, e jamais utilizo o termo referindo-me a alguém do género feminino. Chamem-me antiquada, se quiserem, mas não vou nestas "modernices", ou o que lhes quiserem chamar.
E não é por causa deste "deslize", que não considero Sophia uma das nossas melhores poetisas...