quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

As expressões das tias (I)




Hoje, a palavra "tia"  tem uma conotação negativa, associada a aparência, a presunção e a querer parecer o que não se é. Estupidamente, "ser tia" está agora mal visto e é considerado criticável, por ser esse sentido pejorativo que, de imediato, se nos impõe.
Mas as tias de que falo são tias em sentido literal, isto é, o que elas sempre foram: as irmãs da nossa mãe e do nosso pai. Não são, pois, as que dizem "piqueno", "redículo", ou "olhe, tá a ver?", são antes as que, na nossa infância, ora nos enchiam de doces e beijos repenicados, ora nos ameaçavam com um seco e cortante: "vê lá se queres que eu chame o teu pai"...
Eu e a minha irmã divertimo-nos muito, anos a fio, a dar cabo do juízo das nossas três tias, que com as peculiaridades próprias dos feitios de cada uma, eram os alvos mais apetecidos das nossas travessuras, partidas, e imaginação sem limites.
O que elas tinham em comum, para além da paciência mais ou menos ilimitada para nos aturar e  outras coisas que agora não vêm ao caso, era a utilização de expressões muito engraçadas, daquelas que hoje já quase ninguém usa. 
Diziam, por exemplo, "andar na boa vai ela", o que era um misto de prazer e pecado. Significava divertir-se demasiado e, por isso, não cumprir as suas obrigações. Se as tias nos dissessem "tu gostas é de andar na boa vai ela" era sempre em tom de crítica, para nos fazer pensar "o que é que eu não fiz e deveria ter feito?"...
Mas usavam muitas outras expressões do mesmo género, como "ser levado da breca". "Vocês  parece que estão levadas da breca" queria dizer que já estávamos a ser demasiado insuportáveis, entre irrequietas, brincalhonas e difíceis de manter em silêncio e em sossego.
Quando hoje ouço alguma destas expressões, o que é raro, não posso impedir-me de ser transportada por momentos até esse tempo distante, com todos os seus defeitos e qualidades, amuos e meiguices, raspanetes e máximas solenes, ensinamentos e afectos vários, hoje perdidos no fundo da memória, fora da vida comum e do uso corrente, tal como se foram gastando, com os anos, as expressões das tias.