segunda-feira, 21 de agosto de 2017

As "pedras no caminho"


Actualmente, a velocidade da informação que as novas tecnologias permitem leva a que se tenda a considerar verdadeiro tudo o que está na internet, à distancia de um clic.
O exemplo mais paradigmático deste fenómeno é a atribuição da frase "Pedras no caminho? Guardo todas, um dia vou construir um castelo" a Fernando Pessoa, profusamente citada em tudo quanto é sítio, assim solta, ou integrada num poema  intitulado "A coragem de Pessoa". Ora, qualquer conhecedor da obra de Pessoa, mesmo não sendo especialista, rapidamente perceberá que nem o estilo, nem a temática pertencem a este autor e mais depressa viria de um  qualquer livro de auto-ajuda.
De resto, a própria casa Fernando Pessoa esclareceu o assunto nestes termos: O poema em questão não é de Fernando Pessoa, coisa que poderia ser garantida à primeira leitura (pela escrita, pela ortografia). No Brasil, tanto na web como em papel impresso, circulam vários "poema apócrifos" assinados por Fernando Pessoa; muitas vezes os seus autores pretendem garantir algum reconhecimento através da utilização do nome do poeta - são, geralmente, textos de má qualidade e que, infelizmente, se multiplicam todos os dias. Qualquer "leitor mediano" da obra de Pessoa ou dos seus heterónimos se dá conta da mistificação e da falsificação. Fernando Pessoa não diz semelhantes patetices.
Não sendo relevante, a autoria da "famosa" frase parece pertencer a um blogger brasileiro, Nemo Nox, que a terá tornado pública em 2003. De resto, lendo o "poema" percebe-se de imediato uma construção sintáctica que pertence à variante brasileira do português.
Outra frase erroneamente atribuída a Fernando Pessoa é a que considera Portugal um "jardim à beira-mar plantado". Ora, a frase, que entrou na linguagem popular, é de facto da autoria de Tomás Ribeiro e está incluída no seu poema "A Portugal".
Já os versos "tudo vale a pena / se a alma não é pequena", esses sim, são de Fernando Pessoa, do poema "Mar Português", embora haja também quem considere que são de Luís de Camões, ou até que constituem um provérbio, com origem na sabedoria popular.
Enfim, acima de tudo acho que há que ter espírito crítico relativamente ao que se lê, vê e ouve por aí...