domingo, 5 de abril de 2020

Paulinho Maricas


Quando eu e a minha irmã éramos pequenas, todas as nossas bonecas tinham nomes acabados em -inho, apesar de em nossa casa os diminutivos nem serem, em geral, regra.
E entre todas as Rosarinhos, Teresinhas e Paulinhas, havia um boneco da minha irmã, - de resto muito parecido com o da imagem, - a que decidimos chamar, vá lá saber-se porquê, "Paulinho Maricas".
Não sei que idades teríamos quando decidimos fazer aquele baptizado. Talvez uns quatro e cinco anos, ou até menos. Ainda me lembro do ar chocado de todos os familiares diante do nome ao qual não atribuíamos nenhum significado específico; ainda me lembro de nos dizerem repetidamente, "não digas isso, que não é uma palavra muito bonita". 
E nós, na nossa genuína inocência, desconhecendo todas as conotações depreciativas que lhe estavam associadas, longe de imaginar que aquele nome conferia ao nosso boneco um qualquer carácter efeminado ou, pelo menos, medroso e cobardolas, insistíamos em chamar-lhe, simplesmente, "Paulinho Maricas."
Muito antes dos tempos do politicamente correcto, e agora que o termo quase caiu em desuso e foi substituído por outro(s), imposto(s) pela cultura anglo-americana dominante, ou começado(s ) por -p, o termo "maricas", para mim e para a minha irmã, para lá de todas as conotações que lhe estão associadas, transportar-nos-á sempre, inevitavelmente, para a nossa infância mais remota e para um sem fim de brincadeiras com o nosso "Paulinho". "Maricas", pois claro!

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